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MISSÃO

 

     Portugal não foi ocupado por Hitler durante a IIª Grande Guerra, nem sofreu as consequências do Holocausto no seu solo. Mas esta feliz circunstância histórica leva a que, praticamente, apenas a população judaica em Portugal tenha laços afectivos, memórias concretas, uma relação directa com as vítimas do genocídio nazi. Com efeito, quantos jovens em Portugal poderão dizer o meu avô contou-me...? Obviamente bem poucos. Talvez por isso o Holocausto nunca foi objecto de debate público em Portugal como o foi, embora tardiamente, nos países ocupados pelo nazismo. Assim para a maioria esmagadora dos alunos e professores portugueses de hoje, o Holocausto é um acontecimento de que ouviram falar na televisão, através de alguns filmes, de alguns livros ou de alguns textos inseridos em manuais escolares. Mas para os alunos o Holocausto é um acontecimento abstracto, visto frequentemente quase como uma ficção.

     O facto de já se terem passado mais 70 anos, torna também mais difícil o ensino do Holocausto, não só pela capacidade de atenção e interesse dos alunos, como da própria motivação de professores e autores de manuais. Sabemos como a nossa sociedade e não só a portuguesa está virada para a vertigem da actualidade e para o efémero: o que é hoje acontecimento deixa de o ser amanhã.

     Mas não são estas as únicas dificuldades do ensino do Holocausto, nem talvez as principais. Não há história mais difícil de contar em toda a história da Humanidade, afirmou Hannah Arendt. Porquê? Porque o Holocausto põe radicalmente em causa os valores em que fomos formados, as nossas certezas mais profundas: que através da cultura e da educação o homem se vai aperfeiçoando; que é tanto mais moral quanto mais instruído; que a ciência é uma escola de progresso, racionalidade e aperfeiçoamento. O extermínio nazi deitou por terra essa perspectiva: ocorreu num dos países mais industrializados, povoado por uma das nações mais cultas e instruídas do mundo. Esperávamos o pior, mas não o impossível, afirma uma sobrevivente. Depois do Holocausto ficámos a saber que o impossível se tornou uma possibilidade em aberto. O que a história do genocídio nazi revela é que vivemos num mundo que contém em si a possibilidade de Auschwitz. Não é, pois, fácil ensinar o Holocausto e sobretudo educar contra o Holocausto. Mas é um assunto que não pode ser evitado porque tem a ver com os próprios fundamentos da nossa civilização. Para todas as pessoas que exercem directamente uma função educativa, nas escolas, em casa, nos médias, ou que têm uma qualquer responsabilidade na formação da juventude, não é possível fazer de conta que Auschwitz não existiu. Infelizmente, Auschwitz tornou-se, pela negativa, património da humanidade.

     É necessário lembrar Auschwitz para educar contra Auschwitz. Educar contra Auschwitz símbolo máximo do Holocausto significa, em primeiro lugar, estudar e conhecer o que foi o genocídio nazi. Não há conhecimento através de slogans ou proclamações por mais bem intencionadas que sejam. Por outro lado, num mundo pós-Holocausto e apesar da criação das Nações Unidas e da aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, os massacres e genocídios continuam. Assim, é nosso objectivo estudar o genocídio nazi naquilo que ele tem de único, mas também procurar estabelecer análises comparativas de forma a conseguir reconhecer nas tragédias actuais algo da terrível continuidade que levou um regime a arrogar-se o direito de ditar o extermínio de todo um povo. Dito de outra maneira, é nosso objectivo abordar o tema do Holocausto numa perspectiva universalista e não somente judaica.

     Não há em Portugal uma corrente organizada e com pensamento próprio de negação do Holocausto na opinião pública ou no mundo académico. Mas a ignorância é um terreno fértil para todo o tipo de ideias feitas, incluindo as que negam, ou desvalorizam o Holocausto. E só o estudo e o conhecimento aprofundado do Holocausto o permite. Infelizmente nem o programa escolar, nem os manuais escolares, contemplam uma abordagem séria e rigorosa do Holocausto. É por isso que propomos à comunidade educativa este projecto que se pretende, antes de mais, uma sensibilização ao tema de forma a despertar o interesse, a reflexão e a vontade de saber mais.

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